sexta-feira, 18 de julho de 2014

10ª jornada do 22º Campeonato de Escrita Criativa

Caminho sem fim. Perdi, roubaram-me e fiz sofrer. Sofri, perderam-me e roubei. Agora caminho para nada e para ninguém. Percorro a maior estrada da minha vida. Descalço, num caminho de terra aprendo que viver não é apenas o que vivemos. 
Vivi sem ser feliz. Fui feliz quando não vivi, e vivi à procura de ser feliz quando não era. Percorri momentos de loucura e de paixão. Sempre à procura de amor e de solução. Nem amor nem solução. Vivi apenas. Agora caminho sem fim.
Vivi sem amor. Amei quando não era feliz, e fui feliz à procura do amor quando não o tinha. Senti momentos de felicidade e de calor. Sempre à procura de alegria e sabor. Nem alegria nem sabor. Vivi apenas. Agora caminho para nada.
Vivi sem paixão. Apaixonei-me vezes demais sem razão, e fui feliz a viver nos dias de loucura. Sempre à procura de felicidade e de vida. Nem felicidade nem vida. Vivi apenas. Agora caminho para ninguém.
Percorro vinte quilómetros de solidão. Levo vinte dias de reflexão. Sinto vinte anos de tristeza. Vivo vinte dias de arrependimento.
Percorro sozinho a vida. Finalmente sinto o viver. Vivo o final a sentir. Sinto a vida a terminar. Agora caminho sozinho na vida. Sinto que não vivi o que devia ter vivido e vivi o que não deveria ter sentido. Termino a vida a sentir-me eu próprio. Ser só. Ser único. Ser próprio. Ser incomparável. Sou apenas eu que vivi mais uma vida a caminhar por onde todos caminham e que no final caminha para nada e para ninguém. 
Sinto que estes penosos vinte quilómetros descalços levam-me para a beira de um abismo. Senti a dureza do caminho da vida nos pés. Vivi perdido de mim. Hoje fui eu que me perdi. Roubei felicidade a ninguém. Hoje foi a mim que me roubaram. Fiz sofrer por amor a nada. Hoje sofro eu por não amar.
Viver sem caminhar na vida é o maior caminho para o fim. Viver sem amor. Sem amar. Viver sem felicidade. Sem ser feliz. Viver sem sentido não tem sentido. Perdemo-nos num caminho sem volta. Caminhar num caminho sem vida leva-nos a uma vida sem sentido. 
Hoje sei que viver não se faz a caminhar sozinho, sem amor ou felicidade. Só se vive a vida feliz com amor e solidariedade!

terça-feira, 15 de julho de 2014

9ª jornada do 22º Campeonato de Escrita Criativa

Meus caros crentes,
Venho por este meio apresentar a minha demissão ao mundo. Após inúmeras vezes rever na minha consciência os prós e contras desta minha decisão, resolvi apresentá-los a vós, que (nem) sempre em mim acreditaram. Decidi julgar o mundo que eu próprio criei. Criei-o à minha imagem e semelhança, mas diria que criei uma versão experimental do mundo. Portanto, demito-me! E espero um dia reconstruir um novo mundo, mais exemplar, e em versão perfeita. 
Olhei para o mundo, e constatei que algo criado em prol da harmonia e com amor, foi substituído por guerra e ódio. Contemplei o Homem, que criei com inteligência e destreza, mas submeteu-se à intransigência e dureza de uns para com os outros. Admirei a minha maior criação – a natureza; mas até esta tem vindo sendo destruída e manipulada. Criei o mundo prezando a união e partilha. Ao contrário disso o Homem substitui-o por vingança e desunião. Insisti em divulgar o bem, mas com tantos erros criados paralelos ao meu ideal, perdurou o mal. Foram criados demasiados erros neste mundo por falta de experiência minha e por crença de que o bem ganha sempre o mal. Mas a verdade é que o mal ficou demasiado enraizado com o passar dos séculos. 
Acreditei demais no que criei: falhei. Agora só me resta assumir as responsabilidades e me despedir. É a hora de acabar o mundo. Não há mais bem. Acabou o bem. Nunca houve bem. Não há mais amor. Acabou o amor. Nunca houve amor. Não há mais vida. Acabou a vida. Nunca houve vida.
É a hora do fim, do final, do adeus, da despedida, do apocalipse... Do fim do mundo. 
Espero que me perdoem, tal como eu vos perdoei a todos pelos vossos erros durante toda a existência do mundo. Eu não teria errado se vós não tivésseis errado. Eu não teria desistido se vós não tivésseis desistido. Eu não teria sucumbido se vós não tivésseis sucumbido. Perdi o mundo, e quem perdeu foi o mundo.
Espero que noutra vida encontrem a vossa luz e o vosso sentido. Que noutro mundo, eu espero encontrar de novo tudo o que criei com uma nova luz e um novo sentido.
Despeço-me com saudações e votos que noutro mundo sejamos todos melhores!

O vosso Deus!

quarta-feira, 9 de julho de 2014

8ª jornada do 22º Campeonato de Escrita Criativa

Tinha sete anos de idade, de cabeça pousada no ombro de minha mãe chorava por dentro. Sentia o tempo esvaziar-se e consumir-se. Sentia o cansaço a roubar-me a mãe. Sentia o amor por ela a apoderar-se dentro de mim. Sabia que a iam levar de mim, mas não queria acreditar. Não queria ver. Não queria ouvir. Não queria sentir. Mas desejava estar presente naquele momento. Queria ser o seu mais que tudo. Queria ver o seu último sorriso. Queria ouvir o seu último suspiro. Queria sentir o seu último instante. Queria viver aquele momento com intensidade. Senti um ciclo a fechar-se. Minha mãe presente no meu primeiro dia de vida e eu presente no seu último dia de vida. Confirmei todo o amor que depositou em mim. E de abraço apertado em minha mãe vi, ouvi e senti a vida levá-la de mim. O sabor a desejo e alívio apoderou-se de mim naquele momento. Misturava-se um misto de tristeza e satisfação. Desejava sentir o alívio de a deixar ver sofrer. Encontrava-me satisfeito por ter conseguido estar presente no finalizar de um ciclo. Mas apesar de tudo estava triste por deixar de ter minha querida mãe junto a mim.
Tenho vinte e sete anos de idade. Hoje pela primeira vez tenho junto a mim um filho meu. Abraço-o com carinho e afecto.
Vinte anos vivi. Vinte anos aprendi. Sei que sorrir é sofrer. Aprendi que ter é lutar. Descobri que amar é conquistar. Encontrei no sentir o viver. Achei o amor no sofrimento. Senti na perda o início. Achei no final o sentido da vida. E só no inicio da vida encontramos um amor para sempre.
Hoje sinto o tempo a encher-me e a saciar-me. Sinto o cansaço a trazer-me um filho. Sinto novamente o amor a apoderar-se de mim. Hoje queria ver tudo, ouvir tudo e sentir tudo. Consegui desfrutar nada. Foi num instante só. Num olhar só. E num suspirar só. Apenas senti o iniciar de um novo ciclo em minha vida. Fechei os olhos e lembrei minha mãe. Desejei ter meu filho presente no meu último dia. Ambicionei fazer feliz o meu filho como ela me fez feliz a mim. Num ciclo maior, mais longo e mais consistente. Embora o amor não se calcule em anos de vida, a verdade é que o que sinto por minha mãe e por meu filho é de sempre e para sempre.