domingo, 29 de junho de 2014

7ª jornada do 22º Campeonato de Escrita Criativa

Meu pai entra na sala e eu olho-o sem pestanejar. Hoje é ele o meu paciente. Fito-o com uma sensação estranha. Paro e penso em como ajo e falo com outros pacientes. Quero chorar. Mas não choro. Estou a trabalhar. É meu pai. Todos os meus outros pacientes também poderão ser pais de alguém. Que vou dizer eu a meu pai? O mesmo que digo a todos os meus pacientes? Quem vou ser eu agora? O médico ou o filho?
- Todas as semanas há novas histórias e novos pacientes. Hoje és tu pai! A vida é clara e sempre me apoiaste em tudo o que desejei para a minha vida. Agora é a minha vez de te apoiar em tudo o que decidas daqui para a frente! És meu pai, severo, mas querido pai. Ensinaste-me a viver, a crescer, a estudar e a trabalhar. Devo-te tudo. Mas hoje és também meu paciente. Desejava ser mais que tudo, mas mais que tudo neste momento não chega. Queria poder inventar a cura. Queria poder fazer milagres. Mas a verdade é a realidade. 
Depois de me ouvir, meu pai suspirou e disse:
- Meu filho… À muito que sabia que estava doente. E por saber não quis ser teu paciente antes. És meu filho. Sei como és. Posso ser despistado e parecer desligado, mas de facto não o sou. A tua dualidade é compreensível. E eu já esperava. Aliás agrada-me saber que és assim. Sei que transmiti valores e que no final o trabalho que me deste valeu a pena. Tu és a certeza que irei deixar um excelente legado. E nem a verdade, nem a realidade me assustam… Tu és prova que sabes ser um bom médico e um bom filho. E melhor: sabes ser um bom filho médico. Sabia que me irias apoiar. E sei que no final desta conversa toda me vais compreender. Sempre foste bom ouviste. Sempre ponderaste opiniões. Sempre soubeste ouvir as críticas. Sempre te esforçaste para seres compreendido. Sempre actuaste para seres bem sucedido. E sempre lutaste pelos que amas. E nunca foste injusto com os que foram injustos contigo! À muito que sei do meu final. Hoje tenho a certeza que no final não vou ter fim. Tenho um filho que sabe o que tenho melhor que um médico e um médico que me respeita mais que um filho.

terça-feira, 17 de junho de 2014

6ª jornada do 22º Campeonato de Escrita Criativa

Acabou! Já ofereci tudo. Que mais necessita aquela alma que me atenta e decepciona a todas as horas? Quis tudo. Agora nada.
Enganaste-me desde o início. Continuei a acreditar. Eu seria melhor, tu também serias melhor… Eu sei que fui, tu continuaste. Deixei de acreditar, mas insisti. Usaste o maior engano da vida para ter tudo. Agora: tens nada, sabes nada, e és nada.
Não me conheceste como julgaste conhecer, não me conheces e nunca me conhecerás. Parti na verdadeira condição de nunca mais querer saber de ti. Usaste-me. Mentiste-me. Decepcionaste-me. Magoaste-me. Iludiste-me. Tudo para teu belo prazer. Pensavas que irias ter tudo para sempre? Que me manipulavas sempre? Não volto mais. Não quero mais. Não perdoo mais.
Podes usar a mentira para querer tudo, mas na verdade nunca saberás de nada. Perdes tudo por saber nada! Ganhas nada por querer tudo. És nada. És ninguém.
Deixei a aquela cortina cinzenta para trás. Agora sou verdadeiramente eu. Estou bem e sou feliz! Nada nem ninguém me vai fazer voltar a trás na minha decisão de ser feliz. Aprendi que o engano leva as pessoas a afogarem-se na ganância de querer tudo. No final nada sabem da vida, nada tem dela. Vivem e crescem pobres. Não lutam por nada. Não viram a página. Não entram noutra estrada. São infelizes. Quem sejam… Eu sofri, chorei, mas não deixei de lutar e acreditar que um dia ia conseguir sair de todo o engano onde me tinha colocado. Virei a página, mudei de estrada e nunca mais volto atrás. Aprendi e cresci.
Agora só confio em quem confia em mim. Só faço feliz quem me faz feliz. Só ofereço tudo a quem me oferece tudo. Só saberá tudo quem me contar tudo. Só serei verdadeiro quem for verdadeiro. Só serei de alguém quando alguém for verdadeiramente meu. E quando saberei que chegou esse alguém? Simplesmente saberei! Tudo o que já passei e tudo o que aprendi ofereceu-me ferramentas para olhar e escrutinar o mundo de outra forma. Sou mais perspicaz, sou mais céptico, sou mais inteligente! Pois o que não nos mata torna-nos mais fortes?! Pois bem… Hoje sei a verdade desta declaração. Hoje tenho alguém que acredito, que confio, que é verdadeiro e que me faz feliz! Farei mais e melhor. Farei tudo como nunca fiz alguém! Pois só hoje vejo translucidamente o futuro. É do meu presente e de quem é verdadeiro!

terça-feira, 10 de junho de 2014

5ª jornada do 22º Campeonato de Escrita Criativa

Que parvoíce uma pessoa adormecer aqui. A verdade é que assim sendo sou uma pessoa parva. Velha, acabada, cansada e entediada. Já reúno idade para saber mais da vida e ser melhor que qualquer um que me aborda. Mas a verdade é que não passo de um inútil, até para mim próprio. Depois deste cansaço que me acordou fechado numa cave ao meio da tarde vou onde eu arranjar forças para sair daqui? Que vim eu aqui fazer? Acordei pesado. Moído e cansado. Queria tocar e sentir as recordações. Adormeci a sonhar na vida que já vivi.
Foi tão bom viver! Agora já não tenho mais nada se não apenas a minha própria vida. Não tenho dormir ou acordar. Não tenho comer. Não tenho amizade ou amor. Não tenho saúde. Não tenho família ou amigos. Não tenho lugar, nem tenho tempo. 
Estou deprimentemente feliz. Sensação esquisita de inutilidade e felicidade. Sentimento de alegria deprimida. Vivi. Fui feliz e lutei. Conquistei e chorei. Perdi e alcancei. Ganhei e sofri.
Onde vou buscar eu forças para continuar? Já não tenho que continuar. Acabou bem, estou bem, vivi tudo. Quero terminar consciente de tudo o que vivi. Luto todos os dias para não me esquecer de mim, da vida e de todos os que nela viveram. Mas também procuro todos os dias o realizar de um sonho. Quero viver consciente que nunca me esqueci de viver até ao meu último segundo de vida. 
Quantas vezes sofri? Desejei terminar cedo demais. Continuei e fui feliz. Quantas vezes perdi? Batalhei e continuei. Quantas vezes ganhei o nada depois de perder tudo? Precisei de abdicar de tudo para ter melhor. Hoje somo mais de 32 880 dias de existência neste mundo. Quem me dera não me ter esquecido de todos. Mas tenho certeza que me relembrarei de todos os que me interroguei e persisti vivê-los até hoje.
Vou levantar e erguer-me. Ganhar força e subir em casa. Viver o que resta de mais um dia de um velho só e triste. Continuar a lutar o esquecimento com a felicidade das memórias e recordações. O que me move dias a fio é ser cruelmente insatisfeito. Quando estou triste me comovo e sou feliz. Quando estou alegre atropelo-me na angústia da vida. 
Sou um velho intransigente com a vida. Contente com o que viveu. Aborrecido com o que está a viver. Mas ciente que só assim sabe viver!

terça-feira, 3 de junho de 2014

4ª jornada do 22º Campeonato de Escrita Criativa

Aquele olhar soslaio enganava-me sempre. Havia dias que não o suportava, mas mesmo assim adorava-o. Olhava para ela de modo sempre contraditório para nunca denunciar o meu fascínio. Arrepiava-me só de a ouvir falar. E às vezes tramava-me até. Era um desconsolo vê-la sorrir. Mas eu tinha de a olhar sempre. Começava a ficar estrábico de tanto fazer de conta que não. Sabia que ia morrer perdido. Não sabia como me controlar. Mas sabia-me controlar.
- Oh Manuela, Manuela…
- Que me queres tu minha querida?
- Preciso de me denunciar!
Ela nunca compreenderia os sentimentos de um homem. Nunca quereria saber sequer quem sou. Seria para sempre seu hipotético guia, majestoso conselheiro ou confidente cor-de-rosa. Porquê? Porque ela não acreditava no amor! E eu também não, mas Manuela fazia-me acreditar. Eu vivia num mundo ao contrário. Ela vivia num mundo certo. E enganado para ela. Ela não tinha sido feita para ninguém. Tinha sido feita para mim. Queria-a para mim. Mas para mim não queria que fosse.
Ouvir-te falar encantava-me. Sei de cor todas as conversas que tivemos juntos. Sorte a minha sentir nos meus ouvidos a tua voz. Todo um dia era repleto de cor. E tu detestavas não ser escutada. Gritavas por ser exclusiva de tantos que nunca quiseste ter. Se alguma vez mo tivesses perguntado a mim… Também não sabia dizer que sim. Porque sei que não podes ser como eu. Não amavas, nem gostavas de ser amada. Gostaria de ter compreendido porquê. Falávamos tanto, mas dizíamos muito pouco. Querias tudo com nada. Tinhas nada com tudo.
Triste mulher alegre que foste. Amava-te caramba. Eu sei que sim. Mas não queria nem podia amar. Não te podia tocar. Mas desejava-o ardentemente dentro de mim. Ai o que sonhei por te tocar. Toquei. Mas não queria ter tocado como te toquei. Sufocaste-me como saco de ar vazio. Repudiaste-me e usaste-me. Mesmo assim agradeço. Eras linda. Pernas altas, morena e de ar prestante nos seus olhos cor de avelã. Eras perfeita. Obrigado por me humilhares e fazeres de mim um homem.
Precisava ter-me denunciado. Manuela amava-se apenas e só ela mesma. Mulher egocêntrica e mesquinha de valores. Mas desmedida de fulgor. Sem teu amor não valia a pena. Quis apenas sentir a tua humilhação e apagar-te. Não te queria ver mais. Sentir-te por perto ou longe seria matar-me. Decidi acabar. Acabou. Já não te amo Manuela.